(Resenha)
BAKHTIN, Mikhail. A Cultura Popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais. São Paulo – Brasília, EdUNB, 1993. Introdução: apresentação do problema. Págs. 1-50.
Bakhtin propõe que a presente introdução:
– coloque o problema da cultura cômica popular na Idade Média e no Renascimento e possa discernir suas dimensões
– defina previamente suas características originais
– limite-se a tratar muito rapidamente da linguagem das formas e símbolos carnavalescos
– torne compreensível essa linguagem carnavalesca “semi-olvidada”
– compreenda a lógica do cânon grotesco (assim como sua intenção artística)
… Porque tratam-se do contexto e da linguagem que Rabelais utilizou.
Mas adverte: “o objeto específico do nosso trabalho não é a cultura cômica popular, mas a obra de François Rabelais. … Em relação a ela – cultura cômica popular – nosso objetivo é puramente teórico e consiste em revelar a unidade, o sentido e a natureza ideológica profunda dessa cultura, o seu valor como concepção de mundo e o seu valor estético”.
Rabelais tem como principal qualidade, segundo Bakhtin, estar “ligado, mais profundamente e estreitamente que os outros, às fontes populares, fontes específicas que determinam o seu conjunto de imagens e sua concepção artística”. Especialmente as que assumiam a forma de festividades populares, como o carnaval, e os gêneros literários a ele associados, a paródia e o realismo grotesco.
O riso popular e suas formas constituem campo pouco estudado da criação popular. Nos poucos estudos, a natureza específica do riso popular aparece deformada porque lhe são aplicadas idéias e noções alheias, porque sob o domínio da cultura e da estética burguesas dos tempos modernos. As formas e manifestações do riso opunham-se ao mundo oficial.
Para Bakhtin , a cultura cômica popular tem manifestações múltiplas subdivididas em 3 (três) categorias maiores:
- Formas dos Ritos e Espetáculos
- Obras cômicas verbais de diversas naturezas:
Oral, escrita, em latim e em língua vulgar. - Formas e gêneros do vocabulário familiar e grosseiro (insultos, juramentos, blasões populares)
Todas as 3 (três) categorias refletem um mesmo aspecto cômico do mundo. Estão combinadas e inter-relacionadas.
Num mundo dentro de um regime social que não conhecia ainda Classes e Estado, “os aspectos cômicos da divindade, do mundo e do homem eram igualmente sagrados”.
1. Primeira forma de cultura cômica popular:
Os Ritos e Espetáculos
Praças cheias dias inteiros. Nas grandes cidades européias chegavam a 3 (três) meses em um ano.
Todas os ritos e festas mantinham elementos de organização cômica.
- Carnaval
- Festa dos tolos
- Festa do Asno
- Riso Paschoal
- Religiosas – Festa do Templo
- Agrícolas
- Festas Civis
Oferecem uma visão do mundo deliberadamente não oficial. Um segundo mundo.
Bakhtin desenvolve várias questões sobre as formas dos ritos e espetáculos cômicos da Idade Média e do Renascimento:
– Características
– Natureza
– Modos de existência
O Princípio Cômico que preside o Carnaval:
- Libertos de dogmatismo religioso;
- Desprovidos de caráter mágico
- Nada pedem ou exigem
- Pertencem à esfera cotidiana
- Caráter concreto
- “Jogo”
- Próximos aos espetáculos teatrais da Idade Média
(mas não é teatro – não assistem ao carnaval – vivem-no). - Fuga provisória da vida ordinária
Bufões e bobos – veículos permanentes do princípio carnavalesco na vida cotidiana. Tinham uma forma especial de vida – tempo real e ideal. Esfera intermediária entre a vida e a arte.
Carnaval como a segunda vida do povo, onde prevalecem o Princípio do Riso, a Vida Festiva (jogo, descanso, trégua), o clima de festa, o mundo dos ideais. Alternância / renovação.
Consagração da desigualdade x Igualdade e Contato Livre
Enquanto a festa oficial consagra a estabilidade (porque marca as diferenças), o Carnaval é a liberação temporária da verdade dominante, a liberação provisória das relações hierárquicas, dos privilégios, das regras e tabus.
(O Carnaval é a fuga – a evasão – a alternância e a renovação).
Vai-se gerar um tipo particular de comunicação, com formas especiais de vocabulário e gestos.
Uma Linguagem Carnavalesca Típica:
- Lógica do Avesso
- Paródia da Vida Ordinária (mas sem a negação)
Natureza do Riso Carnavalesco:
- Festivo
- Patrimônio do Povo (coletivo)
- Universal (todas as coisas e pessoas)
- Ambivalente (alegre, mas também burlador e sarcástico).
O sarcasmo emprega o humor, colocando-se fora do objeto porque se opõe a ele. O Riso Popular Ambivalente é a expressão da opinião sobre o mundo no qual se inclui.
2. Segunda forma de cultura cômica popular:
As Obras Verbais (orais, escritas, em língua latina e vulgar)
- Imbuídas da concepção carnavalesca
- Utiliza a linguagem carnavalesca
- Riso ambivalente e festivo
Por um milênio, escolares, cléricos, eclesiásticos de alta hierarquia, doutos teólogos permitem-se alegres distrações produzindo tratados paródicos, obras cômicas de gêneros diversos, em latim e língua vulgar.
O riso atinge as camadas mais altas do pensamento e do culto religioso. Paródias:
- Dos escritos bíblicos
- Da sabedoria escolástica
- Dos métodos científicos
- Sacras
- Das leituras evangélicas
- Dos hinos religiosos e orações
- Testamentos paródicos
- Epitáfios paródicos
Consagrados pela tradição e tolerados pela igreja, são Ecos dos Risos do Carnaval. Onde milagres e moralidade são carnavalizados, o riso se introduz também nos mistérios.
3. Terceira forma de cultura cômica popular:
Fenômenos e gêneros do vocabulário familiar e público da Idade Média
O Carnaval gera um tipo especial de comunicação ideal e real entre as pessoas que gera formas lingüísticas:
- Tratamento por tu
- Uso de diminutivo
- Uso de apelidos
- Palmadas nos ombros
- Palavras e expressões jocosas
… que amplia o contato familiar – uma intimidade.
O uso freqüente de palavrão, grosserias e até juramentos leva a uma atmosfera libertária de aspecto cômico que exerce poderosa influencia sobre o estilo de Rabelais.
O princípio de vida material e corporal da obra de Rabelais (o corpo, a bebida, a comida, a vida sexual, as necessidades naturais) levam ao fisiologismo, o grosseiro e o naturalismo, numa forma de reabilitação da carne, típica da época – como uma reação ao ceticismo medieval.
No Realismo Grotesco, isto é, no sistema imaginário da cultura cômica popular, o corpo e a vida corporal adquirem caráter cósmico e universal. Não um corpo individual, mas popular (universal).
Abundância e universalidade somadas ao caráter festivo – o Princípio da Festa.
A Paródia Medieval
Degrada: Valor Destrutivo + Valor Regenerador = Ambivalência.
Paródia Moderna
Degrada: Valor Destrutivo (exclusivamente).
Cervantes (p.20)
Renascimento (p.21)
Imagens Grotescas (ambivalentes, contraditórias) (p.22)
Estética do Grotesco (p.23)
Grosserias contemporâneas – negação (p.25)
Realismo Grosseiro (p.27)
Tipo específico de imagens da cultura cômica popular em todas as suas manifestações.
Grotesco Antigo: arcaico – clássico – pós-antigo (p.28)
O Grotesco Romântico: um grotesco de câmara, uma espécie de carnaval que o indivíduo representa na solidão, com a consciência aguda do seu isolamento.
Análise teórica (1ª tentativa: Vesari “borrar as paredes com monstro em vez de pintar imagens claras”). (p.29)